sábado, 20 de julho de 2013

A FARSA NA ALES

A  FARSA
Eu e você não estávamos lá, mas o relato de quem participou, intermediou, negociou e depois se horrorizou e chorou vai aqui publicado.

Continuo afirmando que a sociedade já está digital e a política e os políticos continuam analógicos e ultrapassados.


Vitória-ES, 17 de julho de 2013
  

Ao Episcopado da Província Eclesiástica do Estado do Espírito Santo
V. Ex.ª Revma. Dom Luiz Mancilha Vilela, ss.cc, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Vitória e seus Auxiliares Dom Rubens Sevilha, ocd,  e Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias;
V. Ex.ª Revma. Dom Décio Sossai Zandonadi, sdb, Bispo da Diocese de Colatina;
V. Ex.ª Revma. Dom Frei Dario Campos, ofm, Bispo da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim;
V. Ex.ª Revma. Dom Zanoni Demettino Castro, Bispo da Diocese de São Mateus.

Senhores Bispos, dirijo-me às Vossas Excelências Reverendíssimas e à Igreja Capixaba para dar ciência dos acontecimentos que presenciei na tarde de segunda feira, 15 de julho de 2013, na Escadaria da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo.

Dom Luiz, em 2011, a pedido de V. Ex.ª Revma. e do Exmo. Governador do Estado, Sr. Renato Casagrande, dispus-me a ajudar na mediação e diálogo entre o Governo do Estado e os Movimentos Sociais.

No dia 12 de julho 2013, fui convocado pelo Poder Judiciário para participar da audiência de conciliação entre a Assembleia Legislativa e os integrantes do movimento #ocupALES, que ocupava a sede da Assembleia Legislativa desde o dia 02 de julho de 2013. Os motivos da ocupação foram amplamente divulgados pela imprensa e são de conhecimento do toda Igreja.

A audiência de conciliação presidida pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. Marcelo Loureiro, teve início às 16h do dia 12 de julho, sexta-feira, e encerrou-se às 06h do dia 13 de julho, sábado, e foi acompanhada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Universidade Federal do Espírito Santo, Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo e por mim.

A audiência foi exitosa: às 12h do dia 13 de julho os manifestantes cumpriram com sua parte no acordo e desocuparam a sede da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.

Entre os diversos pontos do acordo, destacam-se dois: a votação do Decreto Parlamentar que poria fim na cobrança do pedágio no dia 15 de julho de 2013 e, o amplo e irrestrito acesso da população ao plenário no momento da votação, com abertura das galerias, o que, aliás, é uma garantia regimentar da própria “casa do povo”.

Na Segunda feira, 15 de julho de 2013, eu retornei à Assembleia Legislativa para acompanhar a votação do Decreto. Participo de manifestações públicas desde a adolescência.  Acompanhei diversas manifestações em frente à Assembleia Legislativa e ajudei na organização de diversas outras, inclusive no fatídico período da história de nosso Estado conhecido como a “era Gratz” e nunca vi o que presenciei no dia 15 de julho de 2013. Jamais esquecerei esta data! Foi estarrecedor!

Ao chegar, constatei que a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa não cumpriu com acordo firmado na audiência de conciliação. As portas da Assembleia estavam fechadas ao público sendo protegidas pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Havia cerca de 60 manifestantes que tentavam pacificamente entrar. Ao colocar o pé no primeiro degrau da Assembleia, fui recebido pelo Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar, com bombas de gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral que eram lançadas a esmo contra as pessoas.

Permaneci durante todo o período de votação do lado de fora da Assembleia acompanhando a ação dos manifestantes e da polícia juntamente com os demais representes da sociedade civil organizada: Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória-ES, Ordem dos Advogados do Brasil, Universidade Federal do Espírito Santo, Conselho Estadual de Direitos Humanos, Sindicato dos Jornalistas e diversas outras entidades.

No momento em que iniciou a votação do Decreto, novamente, o Batalhão de Choque ergueu-se, ofensivamente, agredindo as pessoas, expulsando-as da escadaria da Assembleia, inclusive a mim e aos demais representantes da Sociedade Civil.

O Conselheiro da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, Vitor Cesar Noronha, foi preso num flagrante ato arbitrário de abuso de poder. Consideramos que a sua prisão foi um ato político para atingir e intimidar as entidades civis que estavam presentes.   

Até este momento não havia nenhuma ação agressiva por parte dos manifestantes. Entretanto, o Batalhão de Choque, além de expulsá-los das escadarias, continuou a agir de forma ostensiva contra os manifestantes que já se encontravam dispersos do outro lado da rua e começou a persegui-los. Ficou nítida a intenção da polícia em provocar a ira dos manifestantes.

Senhores Bispos! Na tarde do dia 15 de Julho, nas escadarias da casa do povo, vi o Governo e a Assembleia Legislativa do Espírito Santo, usarem seu braço forte e armado para agredir pessoas desarmadas, cidadãos honestos, pessoas de bem, jovens estudantes idealistas, profissionais da imprensa, clérigos, advogados, sindicalistas, pais e mães de famílias e tantos outros capixabas que querem o melhor para o nosso Estado.

Vi o uso indevido do Batalhão de Missões Especiais contra a população.

Vi os direitos fundamentais do povo capixaba serem violados.

Vi o governo do Estado e a Assembleia Legislativa agredindo, humilhando e pisando no povo que o elegeu.

Vi a intenção da polícia em incitar a violência e o caos.

Vi, Senhores Bispos!

Vi, ouvi, lamentei e chorei!

Chorei, porque as instituições que a sociedade civil fortaleceu e ajudou a resgatar das mãos do crime organizado, agora se voltam contra o povo.

Chorei, porque temo pelo que acontecerá se o Governo do Estado se deixar conduzir por interesses e apelos que não sejam legítimos da população.

Chorei, porque vislumbro a possibilidade de o Estado submergir novamente, no caos político institucional.

V. Ex.ª Revma. Sr. Arcebispo, Dom Luiz Mancilha Vilela,  diante da constatação de que não há predisposição do Governo do Estado em interagir e dialogar com os Movimentos Sociais e atender aos anseios do povo capixaba e, que um dos poderes instituídos não honra um compromisso assumido publicamente, retiro-me da interlocução com o Governo até que ele e a Assembleia Legislativa assumam a responsabilidade política pelos desastrosos  acontecimentos  da tarde do dia 15 de julho e faça as devidas reparações aos manifestantes.

Peço aos Senhores Bispos, aos demais membros da Hierarquia da Igreja e ao fieis leigos que deem voz à verdade dos acontecimentos e ajudem a desvelar as trevas da corrupção e dos conluios institucionais instalados no Espírito Santo para que a “era Ferraço”, que ora se inicia não se consolide e o vergonhoso acontecimento da tarde de 15 de julho não se repita em nosso Estado. 

Com estima e consideração,




Pe. Kelder José Brandão Figueira

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