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A FARSA |
Eu e você não estávamos lá, mas o relato de quem participou, intermediou, negociou e depois se horrorizou e chorou vai aqui publicado.
Continuo afirmando que a sociedade já está digital e a política e os políticos continuam analógicos e ultrapassados.
Vitória-ES, 17 de julho
de 2013
Ao Episcopado da Província
Eclesiástica do Estado do Espírito Santo
V. Ex.ª Revma. Dom
Luiz Mancilha Vilela, ss.cc, Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Vitória
e seus Auxiliares Dom Rubens Sevilha, ocd,
e Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias;
V. Ex.ª Revma. Dom
Décio Sossai Zandonadi, sdb, Bispo da Diocese de Colatina;
V. Ex.ª Revma.
Dom Frei Dario Campos, ofm, Bispo da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim;
V. Ex.ª Revma.
Dom Zanoni Demettino Castro, Bispo da Diocese de São Mateus.
Senhores Bispos, dirijo-me às
Vossas Excelências Reverendíssimas e à Igreja Capixaba para dar ciência dos
acontecimentos que presenciei na tarde de segunda feira, 15 de julho de 2013,
na Escadaria da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo.
Dom Luiz, em 2011, a pedido de V.
Ex.ª Revma. e do Exmo. Governador do Estado, Sr. Renato
Casagrande, dispus-me a ajudar na mediação e diálogo entre o Governo do Estado
e os Movimentos Sociais.
No dia 12 de julho 2013, fui
convocado pelo Poder Judiciário para participar da audiência de conciliação
entre a Assembleia Legislativa e os integrantes do movimento #ocupALES, que
ocupava a sede da Assembleia Legislativa desde o dia 02 de julho de 2013. Os
motivos da ocupação foram amplamente divulgados pela imprensa e são de
conhecimento do toda Igreja.
A audiência de conciliação
presidida pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. Marcelo Loureiro, teve início
às 16h do dia 12 de julho, sexta-feira, e encerrou-se às 06h do dia 13 de
julho, sábado, e foi acompanhada pela Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho
Estadual de Direitos Humanos, Universidade Federal do Espírito Santo, Comissão
de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo e por mim.
A audiência foi exitosa: às 12h
do dia 13 de julho os manifestantes cumpriram com sua parte no acordo e
desocuparam a sede da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.
Entre os diversos pontos do
acordo, destacam-se dois: a votação do Decreto Parlamentar que poria fim na
cobrança do pedágio no dia 15 de julho de 2013 e, o amplo e irrestrito acesso da
população ao plenário no momento da votação, com abertura das galerias, o que,
aliás, é uma garantia regimentar da própria “casa do povo”.
Na Segunda feira, 15 de julho de
2013, eu retornei à Assembleia Legislativa para acompanhar a votação do
Decreto. Participo de manifestações públicas desde a adolescência. Acompanhei diversas manifestações em frente à
Assembleia Legislativa e ajudei na organização de diversas outras, inclusive no
fatídico período da história de nosso Estado conhecido como a “era Gratz” e
nunca vi o que presenciei no dia 15 de julho de 2013. Jamais esquecerei esta
data! Foi estarrecedor!
Ao chegar, constatei que a Mesa
Diretora da Assembleia Legislativa não cumpriu com acordo firmado na audiência
de conciliação. As portas da Assembleia estavam fechadas ao público sendo
protegidas pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Havia cerca de 60 manifestantes que
tentavam pacificamente entrar. Ao colocar o pé no primeiro degrau da Assembleia,
fui recebido pelo Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar, com bombas
de gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral que eram lançadas a esmo contra
as pessoas.
Permaneci durante todo o período
de votação do lado de fora da Assembleia acompanhando a ação dos manifestantes
e da polícia juntamente com os demais representes da sociedade civil
organizada: Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória-ES, Ordem dos
Advogados do Brasil, Universidade Federal do Espírito Santo, Conselho Estadual
de Direitos Humanos, Sindicato dos Jornalistas e diversas outras entidades.
No momento em que iniciou a votação
do Decreto, novamente, o Batalhão de Choque ergueu-se, ofensivamente, agredindo
as pessoas, expulsando-as da escadaria da Assembleia, inclusive a mim e aos
demais representantes da Sociedade Civil.
O Conselheiro da Comissão de
Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, Vitor Cesar Noronha, foi preso num
flagrante ato arbitrário de abuso de poder. Consideramos que a sua prisão foi
um ato político para atingir e intimidar as entidades civis que estavam
presentes.
Até este momento não havia
nenhuma ação agressiva por parte dos manifestantes. Entretanto, o Batalhão de Choque,
além de expulsá-los das escadarias, continuou a agir de forma ostensiva contra
os manifestantes que já se encontravam dispersos do outro lado da rua e começou
a persegui-los. Ficou nítida a intenção da polícia em provocar a ira dos
manifestantes.
Senhores Bispos! Na tarde do dia
15 de Julho, nas escadarias da casa do povo, vi o Governo e a Assembleia
Legislativa do Espírito Santo, usarem seu braço forte e armado para agredir
pessoas desarmadas, cidadãos honestos, pessoas de bem, jovens estudantes
idealistas, profissionais da imprensa, clérigos, advogados, sindicalistas, pais
e mães de famílias e tantos outros capixabas que querem o melhor para o nosso
Estado.
Vi o uso indevido do Batalhão de
Missões Especiais contra a população.
Vi os direitos fundamentais do
povo capixaba serem violados.
Vi o governo do Estado e a
Assembleia Legislativa agredindo, humilhando e pisando no povo que o elegeu.
Vi a intenção da polícia em
incitar a violência e o caos.
Vi, Senhores Bispos!
Vi, ouvi, lamentei e chorei!
Chorei, porque as instituições
que a sociedade civil fortaleceu e ajudou a resgatar das mãos do crime organizado,
agora se voltam contra o povo.
Chorei, porque temo pelo que
acontecerá se o Governo do Estado se deixar conduzir por interesses e apelos
que não sejam legítimos da população.
Chorei, porque vislumbro a possibilidade
de o Estado submergir novamente, no caos político institucional.
V. Ex.ª Revma. Sr.
Arcebispo, Dom Luiz Mancilha Vilela, diante da constatação de que não há
predisposição do Governo do Estado em interagir e dialogar com os Movimentos
Sociais e atender aos anseios do povo capixaba e, que um dos poderes
instituídos não honra um compromisso assumido publicamente, retiro-me da
interlocução com o Governo até que ele e a Assembleia Legislativa assumam a
responsabilidade política pelos desastrosos
acontecimentos da tarde do dia 15
de julho e faça as devidas reparações aos manifestantes.
Peço aos Senhores Bispos, aos
demais membros da Hierarquia da Igreja e ao fieis leigos que deem voz à verdade
dos acontecimentos e ajudem a desvelar as trevas da corrupção e dos conluios
institucionais instalados no Espírito Santo para que a “era Ferraço”, que ora
se inicia não se consolide e o vergonhoso acontecimento da tarde de 15 de julho
não se repita em nosso Estado.
Com estima e
consideração,
Pe. Kelder José Brandão
Figueira